quarta-feira, 28 de abril de 2010

O RODOANEL NA POLÍTICA DE EXPANSÃO METROPOLITANA: QUEM PAGA A CONTA?

Renato Arnaldo Tagnin

O Rodoanel é uma rodovia proposta pelo governo estadual, para
responder a problemas de congestionamento de veículos e de fluxos de
carga que atravessam a Região Metropolitana de São Paulo.
Como vem evoluindo a metrópole e quais poderão ser os efeitos dessa solução?
É freqüente ouvirmos comentários e lermos nos jornais que a ocupação
urbana aqui é caótica, irregular ou desenfreada. Dito assim parece um
problema sem causas ou responsáveis, portanto, fica impossível pensar
e agir para alterar essa situação. Procuremos analisar algumas pistas.
Depois do grande crescimento econômico e populacional, que durou até o
começo da década de 1980, a área urbana da metrópole continuou
crescendo, mostrando uma expansão que não se baseia no desenvolvimento
industrial, na oferta de empregos e nas grandes migrações do passado.
Ao se analisar os dados e os estudos feitos sobre o crescimento da
área ocupada e o adensamento populacional da metrópole, o que se
observa? Em primeiro lugar, a metrópole já não cresce tanto em termos
populacionais. Em segundo lugar, as áreas centrais, mesmo com todos os
prédios em construção estão com cada vez menos moradores, deixando sua
infra-estrutura em parte ociosa e, em contrapartida, as periferias não
param de se expandir. Em terceiro lugar, as periferias que crescem
seguem uma ordem e apresentam uma configuração homogênea; portanto,
não são “caóticas” ou “irregulares”.
Esse processo mostra uma lógica: todos querem morar bem e próximos de
tudo que interessa: emprego, infra-estrutura e equipamentos públicos,
creches, hospitais, meios de transporte de massa etc. Ocorre que, nos
locais onde existem essas condições básicas para se viver numa cidade
o preço dos imóveis sobe e quem não pode pagar e realmente precisa
dessas condições – a população mais pobre - tem de se afastar.
Afastar para onde? Para qualquer lugar, onde for possível sobreviver.
Quanto mais distante, precário, inseguro e desprovido de qualquer
assistência governamental ou amparo legal for esse lugar, mais barato
viver ali. Nesses locais, o jeito é buscar improvisar a moradia em
pedaços de lotes, divididos com outras pessoas e construí-la com
materiais precários, saneamento improvisado, sem acabamento, encostada
a outras, sem espaços suficientes para ventilação ou iluminação
adequadas, sobrando ruas ou passagens estreitas e sem condições de
acesso a caminhões de coleta de lixo, a bombeiros, ambulâncias,
dificultando até mesmo escapar em caso de incêndio, bastante provável,
também, pela precariedade das instalações de gás e eletricidade.
Penduradas em barrancos, ou na beira de córregos, cada uma dessas
moradias abriga várias famílias, com muitas crianças morando juntas,
muitas vezes rodeadas por esgoto e lixo.
Como se pode observar, essa situação é comum em toda a periferia e
nada tem de caótica ou irregular. Ao se ter contato com essa
realidade, fica difícil não se escandalizar e questionar a falta de
políticas, como a de habitação, transportes, mananciais etc. Será que
elas não existem?
Política é normalmente conceituada como o que um governo escolhe
fazer, ou ele escolhe não fazer e o resultado das duas atitudes.
Vamos, então, observar como essas escolhas e efeitos nos permitem
identificar quais são as políticas aqui praticadas pelos governos.
Ao privilegiarem melhorias em determinadas regiões, como nas áreas
centrais, sem se dedicarem a criar condições para que as populações
mais pobres permaneçam nessas áreas e se beneficiem dos investimentos,
os governos têm promovido a transferência de mais renda do setor
público (a nossa) para os proprietários dos imóveis melhor
localizados, que têm renda suficiente para mantê-los; resultado:
empurram os mais pobres para fora desses locais. Essa é uma das formas
pelas quais os governos têm continuado a concentrar a renda em pequena
parcela da população e promovido a conhecida exclusão social de grande
parte da população.
Infelizmente, como muitos estudos confirmam, a nossa região tem
ajudado o Brasil a ser um dos maiores campeões do mundo em exclusão
social e concentração de renda. Na medida em que outras oportunidades,
como a oferta de empregos, também se concentram nas áreas centrais,
fica mais fácil entender como a falta de perspectivas dignas permite à
criminalidade recrutar tantos jovens, aumentar os níveis de violência
na cidade e comprometer o futuro de todo o mundo.
Acontece que, além da mão de obra barata, que chegue com boa aparência
e pontualmente para trabalhar, quem mora nos locais privilegiados da
cidade precisa de outras coisas da periferia: água, qualidade do ar,
controle de enchentes, um clima mais equilibrado, produtos agrícolas,
lenha e carvão, areia e pedras para construção e locais para dar um
‘sumiço’ no lixo e nos esgotos.
As alternativas habitacionais para essa parcela da população pobre,
quando existem, também são oferecidas nesses locais distantes, porque
o investimento governamental na compra dos terrenos é menor. Uma vez
ocupados esses lugares, com muita pressão política legítima das
populações, algum nível de investimento em infra-estrutura pode ser
conseguido, ao longo do tempo. A partir daí, o processo de valorização
dos imóveis e expulsão dos que não podem pagar passa a ocorrer também
nessas periferias, alimentando a contínua busca de novos espaços
viáveis, por parte daqueles que não podem arcar com os benefícios.
Esses espaços “viáveis” são criados, em geral, com a retirada da
vegetação que sobrou fora da cidade, que ainda ajuda na produção e
preservação da água.
Anos atrás, pela sua raridade e importância, a faixa que ainda tinha
algum nível de vegetação em torno da metrópole, em boa parte já
considerada legalmente como de ‘proteção aos mananciais’, passou a ser
chamada ‘Cinturão Verde da Cidade de São Paulo’, ganhando o
reconhecimento internacional da UNESCO, como ‘Patrimônio da
Humanidade’. Aqui, infelizmente, além de alguns institutos de pesquisa
e organizações sociais que não têm meios para protegê-las, esse
patrimônio não é reconhecido pelos nossos governantes.
O resultado é que a política metropolitana tem utilizado a periferia
para esconder seus problemas, a sujeira que a região produz e as
populações que exclui. O pior é que, nela há áreas frágeis e de
importância fundamental, onde a vegetação protege locais sujeitos a
deslizamentos, segura a água que pioraria as inundações da cidade e
produz aquela que bebemos. Nessas áreas, os problemas estão alcançando
diretamente as represas, as nossas caixas d’água.
Vocês sabem como elas estão? É difícil conhecê-las sem se escandalizar
com o cheiro, com o que bóia e afunda ali. Há ainda o que proteger,
mas não por muito tempo!
As políticas governamentais vigentes estão claramente reforçando esse
processo de avanço, sem a imposição de qualquer controle. É como
construir um carro com um potente acelerador, sem equipá-lo com
volante ou freio!
Quando os governos escolhem o que vão gerir, em que gastar, que
serviços prestar, que obras fazer, onde e, principalmente, para quem
elas se destinarão eles determinam a maior parte dos movimentos de
valorização imobiliária que comandam a expansão, o adensamento, a
qualidade de vida e o desenvolvimento de uma região.
No caso da metrópole paulistana, a responsabilidade principal da sua
gestão tem sido do governo estadual, mesmo hoje em que há regulamentos
– ainda não aplicados aqui - que determinam uma maior democratização
dessa gestão.
Além de ser o responsável maior por essa política metropolitana de
expansão urbana, concentração de renda, exclusão social e degradação
ambiental, acima descrita, o governo estadual é o proponente e o
empreendedor do Rodoanel. O que uma coisa tem a ver com a outra?
Por falta de espaço, não trataremos aqui de todas as deficiências do
projeto, como é o caso dos precários levantamentos utilizados para
justificar a sua “demanda”, o simplório leque de opções estudado, sem
adequado debate (mais uma evidência da falta de democratização da
gestão metropolitana), além da crônica falta de investimentos em
transporte público, como atesta a pífia rede de trens e metrô.
De todas essas deficiências, e mesmo como resultado delas, aqui
interessa destacar que o Rodoanel vai ocupar as últimas áreas livres e
verdes da metrópole. Por quê?
É mais barato! Essa opção é coerente com a política já apontada, que
também não atribui valor algum à produção de água, ao controle de
enchentes, ao equilíbrio climático e ao controle da poluição que essas
áreas ainda realizam e que garantem alguma condição – cada vez mais
precária – de vida na metrópole.
A imprensa ajuda a tornar essas áreas baratas e a isentar os
governantes pela sua perda. Ultimamente, a abordagem mais freqüente
que lemos nos jornais é a de que “Chuva causa enchente” e que mais
obras serão necessárias. Quando falta água, é por que ‘não choveu’ e
tome aí mais obras; sempre com o nosso dinheiro, claro! Mesmo quando
pode ler jornais, a população não tem muitas perspectivas de avançar
no conhecimento, para sair dessas ‘arapucas’ e melhorar sua condição
de vida.
Na medida em que perdemos esse potencial de prevenir a falta de água e
as enchentes, pela destruição sucessiva das condições naturais que
fazem isso de graça, a brincadeira sai cara e o dinheiro,
curiosamente, beneficia os mesmos grupos – os que fazem as obras, os
que as inauguram e os que ainda poderão continuar morando nos locais
que as receberam.
Além de se constituir numa obra extensa e larga, o projeto do
Rodoanel, tal como está proposto, precisa de uma pista com pequenas
inclinações, para facilitar um grande volume de tráfego em alta
velocidade. Para isso, há duas opções: colocá-lo sobre viadutos, ou
apoiá-lo no solo, cortando e aterrando o terreno em todo o percurso,
principalmente nos mananciais, onde ele é mais acidentado. Por mais
cuidados que se tome, desmatar e aterrar esses locais acaba com suas
nascentes de água, permitindo que ali aconteça tudo, menos a produção
de água - função que define o que é um ‘manancial’.
Para assegurar que a obra não fará isso, seus promotores têm divulgado
que a engenharia de rodovias evoluiu muito e apresentam como prova
disso, a nova pista da Rodovia dos Imigrantes, que causou menores
impactos negativos que as obras tradicionais, por estar assentada
sobre túneis e viadutos, em quase todo o seu percurso. Ao concordarmos
que isso é uma evolução, criamos um problema para o governo, por esse
alegar que não há recursos para se fazer o Rodoanel desse jeito.
Impressiona essa forma de tratar a inteligência do eleitor e os
recursos do contribuinte...
Nada como a realidade para demolir os discursos. O trecho Oeste do
Rodoanel, já implantado, traz tudo o que precisamos saber sobre ele;
da falta de cuidados na construção, aos efeitos negativos de seu
funcionamento, coroados pela ausência total de controles
governamentais sobre a desobediência a normas técnicas na obra, a
falta de resolução dos problemas gerados e o descumprimento das
obrigações e responsabilidades sociais e ambientais, formalmente
assumidas por ocasião de seu licenciamento.
Farta documentação, preparada por moradores próximos, instituições de
pesquisa, organizações sociais, ambientalistas e alguns técnicos de
prefeituras registra esses problemas que permanecem, em sua maior
parte, sem solução.
A alegada “competência” da engenharia fica prejudicada por falhas
graves no projeto e na própria execução da pista, que sofreu
afundamentos e desbarrancamento de encostas por sondagens, projetos,
taludes e drenagens mal feitas, em vários trechos. Dessas deficiências
resultam acidentes, interrupções no tráfego do Rodoanel em si e das
rodovias interligadas, além de dificuldades de acesso a caminhões de
grande dimensão; justo a “clientela” utilizada para justificar a
necessidade do Rodoanel.
Da extensa lista de compromissos assumidos como condição da obra ser
permitida, poucas ações foram concluídas ou realizadas para reduzir os
impactos negativos da obra. Mesmo assim, ela foi licenciada e colocada
em funcionamento, evidenciando que o órgão ambiental responsável por
essas licenças, que é subordinado ao governo que realiza a obra, se
submeteu a ele e não à legislação que aplica aos demais cidadãos e
empreendedores.
Nesse contexto de falhas graves de engenharia, impactos negativos sem
solução, descumprimento de qualquer compromisso assumido ou exigência
legal e sem que órgãos responsáveis exerçam qualquer controle, a quem
podemos recorrer?
Isso é ainda mais grave se considerarmos que também houve o
compromisso formal interno ao próprio governo estadual, em 1997, entre
as secretarias de transportes, meio ambiente e transporte
metropolitano de seguir diretrizes na concepção e implantação do
Rodoanel. Essas diretrizes incluem a adoção de medidas necessárias ao
controle do maior impacto que essa obra pode ter: aumentar a
velocidade de ocupação de toda a periferia, incluindo os mananciais.
Este impacto é ocasionado pela melhoria das condições de acesso a
novas áreas, ainda desocupadas e protegidas, a partir de qualquer
ponto da cidade ou de fora dela, considerando a falta total de
controles e as políticas vigentes de ocupação.
Essas diretrizes, que incluíam a implantação de um parque contínuo,
nos dois lados, ao longo de toda a rodovia em sua passagem pelos
mananciais, não estão sendo obedecidas e, ainda, os “estudos”
contratados pelo empreendedor, para avaliar impactos descartaram
qualquer influência significativa do Rodoanel na expansão da cidade.
Essas conclusões contrariam outras avaliações e a própria realidade.
Já em 1997, empreendedores imobiliários anunciavam pela imprensa que a
superfície da cidade iria duplicar com o Rodoanel, considerando as
mudanças de centros atacadistas, de distribuição de mercadorias e de
indústrias, além da valorização de áreas periféricas para a
implantação de loteamentos de alto padrão. Apesar do próprio governo
se utilizar desses argumentos como vantagens da obra, o “estudo”
contratado conclui que isso não terá qualquer efeito no crescimento da
cidade. É impressionante: o fenômeno existe apenas se for para
“vender” a idéia do Rodoanel!
Ao mesmo tempo, a implantação do trecho Oeste foi mostrando o óbvio: a
ocupação das últimas áreas que ainda conservavam alguma vegetação
naquela região, piorando as condições de poluição do ar, das enchentes
e da falta d’água para o abastecimento, seja ali, como no conjunto da
região.
Agora, a mesma situação se repete nos mananciais do trecho sul e seus
efeitos também já podem ser sentidos, antes mesmo da implantação da
obra. Os negócios imobiliários estão aquecidos, os terrenos já
apresentam valorização e estão sendo comercializados, contando com o
acesso direto e indireto ao Rodoanel. Onde buscar essas evidências:
jornais, revistas, imobiliárias e população em geral, além da visita à
área.
Considerando que muita gente pobre foi empurrada para morar ali, essa
valorização vai provocar o mesmo movimento de sempre: afastar esses
moradores para lugares mais distantes e despreparados para recebê-los:
as últimas áreas que sobraram para produzir água. Como se pode ver,
essa política governamental de expansão metropolitana, aproveita-se
das obras, da falta de aplicação da lei, do desconhecimento da
população, da mídia e das forças do mercado para se viabilizar.
Dentre seus efeitos mais dramáticos para a cidade, está a perda da
capacidade de produção de água, que já é muito inferior à necessidade.
De acordo com os padrões que a ONU se utiliza para avaliar a
disponibilidade de água, na Região Metropolitana de São Paulo a
quantidade de água por habitante é mais de sete vezes pior à
classificação mais crítica. Mais da metade da água que consumimos aqui
vem de outras regiões, como a de Campinas (que está mais de três vezes
pior que a situação mais crítica na classificação da ONU), onde a
falta de água vem dificultando cada vez mais o desenvolvimento e o
saneamento de dezenas de municípios e milhões de pessoas.
Nesse contexto de escassez, produzir água aqui parece ser um bom
negócio. No entanto, mesmo que a legislação de proteção aos mananciais
preveja - há décadas - compensações aos municípios produtores, o
governo estadual também não aplica isso. O pouco que havia de recursos
no orçamento para as ações de “Compensação Financeira a Municípios”,
foi cortado pelo governo estadual para 2006 e o mesmo ocorreu com as
ações de “Desenvolvimento Sustentável”, destinadas a identificar
alternativas de geração de emprego e renda adequadas à preservação
ambiental no entorno das unidades de conservação.
Sem qualquer compensação pela água que produzem, nem alternativas
econômicas permitidas e incentivadas pelo governo estadual e, ainda,
recebendo continuamente os contingentes de excluídos do restante da
metrópole, a esses municípios periféricos resta driblar as restrições
legais (à urbanização, indústrias e demais atividades econômicas) da
proteção aos mananciais, para se sustentarem. Esta situação pode ser
considerada mais uma das sólidas bases da política de expansão
metropolitana.
Nesse contexto, qualquer obra ou investimento que lhes seja oferecido,
passa a ser fundamental e, em face do nível de carência em que se
encontram interessam, sobretudo, os benefícios de curto prazo. Efeitos
negativos para a metrópole, como a ocupação dos mananciais, não
preocupam a maioria desses municípios; ao contrário, já que isso pode
significar alguma perspectiva de sustento e desenvolvimento.
Por essas razões, ao serem chamados a se manifestar sobre os impactos
do Rodoanel, muito poucos municípios colocaram preocupações ou
exigências de compensações significativas pelos impactos negativos que
terão em relação a ele. Sem essas condições e não havendo exigências
maiores do órgão licenciador - subordinado ao governo que quer
realizar a obra e colher seus benefícios eleitorais no curto prazo -
poucas serão as chances de que sejam colocados controles, ou de que
haja cobrança de condições para a obra.
Um dos argumentos utilizados pelo empreendedor para justificar o
descumprimento dos compromissos do trecho Oeste foi a falta de
recursos. No caso do trecho Sul, já foi amplamente noticiado que, por
enquanto, há recursos para começar a obra, devendo o restante ser
buscado e resolvido mais adiante. Novamente, vejamos como estão os
compromissos quanto aos investimentos que deveriam acompanhar o
Rodoanel: os “Centros Logísticos Integrados” e o “Ferroanel” foram
esquecidos na proposta orçamentária do governo, apesar de terem sido
utilizados para justificar as condições da obra de resolver a questão
do transporte de cargas. Recomeçamos bem!
Quem já acompanhou obras desse tipo sabe que não há nada pior que
começar e parar, principalmente da forma que se anuncia, em várias
frentes ao mesmo tempo. A destruição da vegetação e a realização de
cortes e aterros para nivelar a estrada, abrem a possibilidade de
destruição ainda maior dos mananciais, pois a ação das chuvas intensas
daquela região, atingirá solos frágeis e de alta declividade, como são
os trechos a serem percorridos pelo Rodoanel, causando a destruição de
áreas ainda maiores, piorando os danos aos córregos e reservatórios.
Além da falta de água, a situação da região metropolitana é agravada
pela má qualidade daquela que já existe nos mananciais Guarapiranga e
Billings – situação da qual a população não tem sido informada pelas
autoridades responsáveis. As bacias desses reservatórios, ao serem
percorridas pelo trecho Sul do Rodoanel, sofrerão efeitos que
agravarão sua situação, podendo inviabilizar sua utilização. Isto
porque o tratamento dessas águas já demanda pesados e crescentes
investimentos na tentativa de torná-las potáveis, nem todos ainda
realizados.
Ainda que em nível insuficiente à necessidade, é nisto que o governo
tem investido: tentar melhorar o tratamento à medida que a qualidade
da água vai piorando, ou tentar sanear alguns bairros situados dentro
dos mananciais. Isto, depois que a ocupação avança e se consolida.
Coerentemente com a política metropolitana de expansão: nada de
prevenção!
Mesmo com essas tentativas atrasadas e muito inferiores à necessidade,
o governo corta os poucos recursos destinados a elas no seu orçamento,
como está ocorrendo para este ano de 2006.
Apesar da retórica de que as questões ambientais são importantes, a
realidade, as atitudes na viabilização do Rodoanel e os recursos nos
dão outro quadro: houve redução na participação, já inexpressiva, da
Secretaria do Meio Ambiente (de 0,56% para 0,51%) no orçamento do
Estado, implicando na redução ou manutenção de recursos irrisórios
para ações como as de “Controle Ambiental” e “Recuperação de Áreas
Degradadas”, entre outras.
Mesmo aprovadas na Lei de Diretrizes Orçamentárias, desapareceram da
proposta orçamentária do governo ações como a de “Controle de
Ocupações Irregulares em Áreas de Proteção e Recuperação de Mananciais
da Grande São Paulo”. Já os programas de “Planejamento e Gestão
Ambiental para o Desenvolvimento Regional Sustentado” e o de
“Saneamento Ambiental em Mananciais de Interesse Regional” tiveram
seus recursos reduzidos para menos da metade.
Tratando-se de resgate social àquelas comunidades sucessivamente
marginalizadas, também sofreram redução no orçamento para 2006 os
recursos que vinham sendo destinados a programas habitacionais como
“Morar Melhor”, “Atuação em Cortiços” e “Urbanização de Favelas e de
Núcleos Habitacionais”. Recursos também inexpressivos em relação à
demanda habitacional foram destinados para o Programa “Saneamento
Ambiental em Mananciais de Interesse Regional” e a ação “Mananciais do
Alto Tietê”.
Como enfrentar essas mazelas e proteger o que restou?
Há um longo caminho a ser percorrido, que deve começar, pela sua
urgência, em relação ao Rodoanel. Nesse sentido, deve ser exigido do
empreendedor – aqui entendido como a Dersa e o conjunto do governo
estadual - como condição básica para o licenciamento, as seguintes
providências:
1. Honrar compromissos assumidos anteriormente:
a. Reparar os passivos e cumprir o que foi acordado em relação ao trecho Oeste;
b. Cumprir as diretrizes que foram acordadas em 1997 entre as
Secretarias de Estado de Transportes, Meio Ambiente e Transportes
metropolitanos – que incluem o equacionamento de uma política
metropolitana, com os municípios atingidos, além do parque linear em
todo o percurso nos mananciais e não apenas no Município de São Paulo;
2. Adotar garantias adicionais ao cumprimento dos compromissos:
a. Antecipar as compensações e mitigações em relação às obras da rodovia em si;
b. Arcar, permanentemente, com os recursos necessários à manutenção
das áreas protegidas a serem criadas como compensação;
c. Criar comissão independente, integrada por um colegiado de
representantes da universidade e de ONGs para avaliar o andamento e o
cumprimento das exigências e medidas de caráter ambiental, que deverá
atestar esse cumprimento, periodicamente, como condição para a
liberação dos trechos de obra e das sucessivas licenças;
d. As ações de responsabilidade técnica no exercício da engenharia não
poderão ser consideradas como medidas de caráter ambiental e o seu
descumprimento deverá sujeitar os infratores, entre outras, a penas
limitadoras do exercício da profissão, devendo ser acompanhadas por
comissão específica;
e. A obra deverá ser concebida para, a exemplo da nova pista da
Rodovia dos Imigrantes, minimizar o apoio no solo, contando com obras
de arte, particularmente em função de dois fatores:
i. A fragilidade das áreas pelas quais deverá passar e;
ii. Porque essa obra da Imigrantes foi utilizada pelos promotores do
Rodoanel como exemplo de que a engenharia no país está desenvolvida o
suficiente para não causar impactos (se ela serve como argumento de
defesa, vamos aceitá-la).
3. Evitar os maiores impactos da obra:
a. Definir estratégia para reorientação da expansão urbana para fora
dos mananciais, indicando os responsáveis, prazos e custos articulados
às diferentes fases do Rodoanel; e
b. Viabilizar o programa de saneamento ambiental dos mananciais,
revisto para incluir como prioritárias em termos de prazo, alocação de
recursos e metas as ações preventivas à ocupação dos mananciais.
Essa relação de propostas deverá ser ampliada e melhorada para
constituir um ponto de partida. Resgatar a competência e a
credibilidade governamentais pressupõe um longo processo que incluirá,
necessariamente, a reorientação da atual política metropolitana, que
vem reduzindo as nossas perspectivas para o futuro.

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